Resumo
O redirecionamento da execução fiscal ao sócio é um tema relevante e complexo no direito empresarial, especialmente no contexto das execuções fiscais movidas pela Fazenda Pública contra sociedades empresariais. Este artigo analisa os fundamentos jurídicos que permitem o redirecionamento da execução fiscal para os sócios da pessoa jurídica, à luz da legislação brasileira, da doutrina especializada e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A partir da análise dos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN) e do entendimento jurisprudencial consolidado, são abordados os requisitos para que se configure a responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas tributárias da empresa, incluindo a prática de atos com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto. Destaca-se, ainda, o impacto da jurisprudência paradigmática do STJ, especialmente o REsp 1.201.993/SP, que define parâmetros claros para a atribuição de responsabilidade tributária aos sócios.
Palavras-chave: redirecionamento da execução fiscal, responsabilidade dos sócios, execução fiscal, Código Tributário Nacional, jurisprudência STJ.
Abstract
The redirection of tax execution to the partner is a relevant and complex topic in business law, especially in the context of tax executions filed by the Public Treasury against business companies. This article analyzes the legal grounds that allow the redirection of tax execution to the partners of the legal entity, in light of Brazilian legislation, specialized doctrine, and the jurisprudence of the Superior Court of Justice (STJ). Based on the analysis of articles 134 and 135 of the National Tax Code (CTN) and consolidated jurisprudential understanding, the requirements for establishing the personal liability of partners for the company's tax debts are addressed, including the practice of acts with abuse of power, violation of the law, social contract, or statute. The impact of the STJ's paradigmatic jurisprudence is also highlighted, especially REsp 1.201.993/SP, which sets clear parameters for the attribution of tax liability to partners.
Keywords: redirection of tax execution, partners' liability, tax execution, National Tax Code, STJ jurisprudence.
1. Introdução
O redirecionamento da execução fiscal ao sócio é um tema de grande relevância no direito empresarial e tributário brasileiro, especialmente diante do cenário de inadimplência fiscal das sociedades empresariais. A execução fiscal, regulamentada pela Lei n.º 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais - LEF), é o meio processual utilizado pela Fazenda Pública para a cobrança de créditos tributários. Contudo, quando a pessoa jurídica não possui bens suficientes para garantir o débito, surge a possibilidade de redirecionar a execução para o patrimônio dos sócios.
2. Base Legal para o Redirecionamento
A responsabilidade dos sócios pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica encontra respaldo nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN). Vejamos os textos dos referidos artigos:
- Artigo 134 do CTN:
"Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas."
- Artigo 135 do CTN:
"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."
Esses dispositivos legais estabelecem que o redirecionamento da execução fiscal ao sócio somente é possível quando este atua com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto. O artigo 135 do CTN, em especial, prevê a responsabilidade pessoal dos sócios-gerentes, diretores ou administradores que, comprovadamente, tenham praticado atos ilícitos, configurando-se a exceção à regra da separação patrimonial entre pessoa jurídica e seus sócios.
3. Doutrina
A doutrina majoritária entende que o redirecionamento da execução fiscal ao sócio deve ser a exceção, e não a regra, sendo necessário que se demonstre de forma clara e inequívoca a prática de atos que justifiquem a responsabilização pessoal do sócio. Hugo de Brito Machado enfatiza que "o redirecionamento somente pode ocorrer quando comprovada a prática de atos com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto, não bastando a mera inadimplência da pessoa jurídica". Assim, a doutrina busca limitar o uso indiscriminado do redirecionamento para proteger o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
4. Jurisprudência do STJ
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimentos importantes sobre o redirecionamento da execução fiscal ao sócio. Destaca-se o Recurso Especial nº 1.201.993/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, que estabeleceu critérios claros para a configuração da responsabilidade pessoal dos sócios. A ementa do referido julgado dispõe:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. ART. 135, III, DO CTN. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE INFRAÇÃO À LEI, CONTRATO SOCIAL OU ESTATUTO. PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE PESSOAL NÃO APLICÁVEL. [...] O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente exige a comprovação, pelo Fisco, da prática de atos com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto. A mera condição de sócio-gerente ou administrador da sociedade não autoriza o redirecionamento da execução fiscal." (STJ, REsp 1.201.993/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 23/03/2011, DJe 13/05/2011).
Esse julgado é paradigmático ao estabelecer que o simples fato de alguém ser sócio-gerente ou administrador não é suficiente para o redirecionamento da execução fiscal. É necessária a comprovação de atos que violem a lei, contrato social ou estatuto, evitando-se assim a presunção automática de responsabilidade tributária.
5. Análise dos Requisitos para o Redirecionamento
A partir da legislação e da jurisprudência analisadas, é possível concluir que o redirecionamento da execução fiscal ao sócio depende de dois requisitos principais:
- Infração à Lei, Contrato Social ou Estatuto: O redirecionamento só é cabível quando o sócio tenha agido com dolo, culpa, ou cometido infração à lei, contrato social ou estatuto. Isso implica uma atuação além do permitido pela legislação ou pelo pacto social da empresa.
- Demonstração de Atos com Excesso de Poderes: É necessário comprovar que o sócio praticou atos que extrapolam os limites de seus poderes de administração, prejudicando o crédito tributário. A mera gestão regular da sociedade, sem excessos ou fraudes, não justifica a responsabilização pessoal dos sócios.
6. Conclusão
O redirecionamento da execução fiscal ao sócio é uma medida que deve ser aplicada com cautela, observando-se os requisitos legais e jurisprudenciais. A responsabilidade tributária dos sócios deve ser a exceção e não a regra, sendo imprescindível que a Fazenda Pública demonstre, de forma cabal, a prática de atos que justifiquem tal medida. O entendimento consolidado do STJ tem servido como importante balizador para evitar abusos e garantir a segurança jurídica nas relações empresariais.
Referências
- BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966.
- BRASIL. Lei de Execuções Fiscais. Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980.
- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019.
- STJ, REsp 1.201.993/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 23/03/2011, DJe 13/05/2011.