Autor: Tadeu Jordan, LLM em Direito Empresarial
Resumo:
Este artigo aborda a adjudicação de cotas societárias por credor de sócio em processos de execução, destacando o direito de preferência dos demais sócios, conforme previsto na legislação brasileira. O estudo examina as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil que regulamentam o tema, bem como a doutrina especializada e a jurisprudência dos tribunais superiores. A análise visa esclarecer como os tribunais têm conciliado os direitos dos credores e dos demais sócios na preservação da composição societária, explorando os limites e as condições em que a adjudicação pode ocorrer sem violar os interesses dos sócios e da sociedade.
Palavras-chave: Adjudicação de Cotas, Direito de Preferência, Processo de Execução, Credor de Sócio, Direito Societário, Código Civil
Abstract:
This article addresses the adjudication of corporate shares by a partner’s creditor in execution proceedings, emphasizing the preferential rights of other partners, as provided by Brazilian legislation. The study examines the provisions of the Civil Code and the Civil Procedure Code that govern the subject, as well as the specialized doctrine and higher court jurisprudence. The analysis aims to clarify how courts have reconciled the rights of creditors with those of partners in preserving the corporate structure, exploring the limits and conditions under which adjudication may occur without infringing upon the interests of partners and the corporation.
Keywords: Adjudication of Shares, Preferential Rights, Execution Process, Partner’s Creditor, Corporate Law, Civil Code
1. Introdução
A adjudicação de cotas por credor de sócio em processo de execução é um dos institutos que mais suscita debates no Direito Empresarial brasileiro. Diante da insolvência de um sócio, o credor pode buscar a satisfação de seu crédito através da adjudicação das cotas do devedor na sociedade, conforme previsto no Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015). Todavia, essa medida esbarra em um direito essencial dos demais sócios: o direito de preferência. Este direito, consagrado no Código Civil de 2002, assegura aos sócios a possibilidade de adquirir as cotas antes de sua transferência para um terceiro, preservando a integridade e harmonia da sociedade.
Este artigo tem como objetivo analisar o conflito entre o direito do credor à adjudicação das cotas e o direito de preferência dos sócios remanescentes, à luz da legislação, doutrina e jurisprudência. A questão central é entender como os tribunais têm harmonizado esses interesses conflitantes, preservando a segurança jurídica tanto para os credores quanto para os sócios.
2. Fundamentação Legal
2.1 O Direito de Preferência no Código Civil
O direito de preferência está disciplinado nos artigos 1.057 e 1.058 do Código Civil, que regulam a cessão de cotas em sociedades limitadas. Segundo esses dispositivos, os sócios têm o direito de adquirir as cotas de um sócio que deseja aliená-las, seja para terceiros ou em caso de execução judicial. O objetivo é evitar que um estranho ingresse na sociedade sem o consentimento dos demais sócios, protegendo assim a coesão do grupo societário.
2.2 A Adjudicação no Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil (CPC), por sua vez, permite a adjudicação de bens penhorados, inclusive cotas societárias, como forma de satisfação de crédito. Nos termos do art. 876 do CPC, o credor pode requerer a adjudicação do bem quando frustradas as tentativas de alienação. Contudo, o CPC não trata de maneira detalhada sobre como esse processo interage com o direito de preferência previsto no Código Civil, deixando espaço para interpretação e intervenção judicial.
3. Doutrina
A doutrina jurídica se debruça sobre a tensão entre o direito do credor e o direito dos sócios remanescentes. Fábio Ulhoa Coelho aponta que, em sociedades limitadas, o direito de preferência é fundamental para proteger a estabilidade societária. Ele sustenta que, mesmo em processos de execução, os demais sócios devem ser notificados e ter a oportunidade de exercer o direito de preferência antes que o credor possa adjudicar as cotas.
Outro doutrinador de destaque, Sérgio Campinho, argumenta que o direito de preferência não pode ser suprimido em função do interesse do credor. Segundo Campinho, a adjudicação só pode ocorrer após a manifestação dos sócios sobre a intenção de adquirir as cotas, respeitando o prazo estipulado no contrato social ou, na sua ausência, o prazo legal. Em sua visão, isso garante a proteção da estrutura societária, evitando o ingresso forçado de um credor como sócio, o que pode desequilibrar a gestão da sociedade.
4. Jurisprudência
A jurisprudência dos tribunais superiores tem reconhecido a necessidade de equilíbrio entre a satisfação do crédito e a proteção dos direitos dos sócios. A seguir, destacam-se julgados paradigmáticos sobre o tema.
4.1. Superior Tribunal de Justiça (STJ)
REsp 1.247.020/RS
Ementa: "No âmbito das sociedades limitadas, o exercício do direito de preferência dos sócios para aquisição das cotas penhoradas deve ser garantido antes da adjudicação por credor de sócio."
Resumo do Julgado: O STJ decidiu que a adjudicação de cotas somente é possível após a comunicação formal aos sócios, dando-lhes a oportunidade de exercer o direito de preferência. A ausência dessa comunicação fere o pacto social e pode ser motivo de anulação da adjudicação.
4.2. Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
Apelação Cível 1014567-12.2020.8.26.0100
Ementa: "A adjudicação de cotas por credor de sócio não pode ser realizada sem que os demais sócios sejam previamente notificados para exercer o direito de preferência, conforme disposto no contrato social e no art. 1.057 do Código Civil."
Resumo do Julgado: O TJSP reafirma que a adjudicação de cotas sem a observância do direito de preferência é nula, mesmo em execuções judiciais, visto que os interesses dos sócios devem ser respeitados, conforme estabelecido na legislação e no contrato social.
4.3. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ)
Apelação Cível 0032145-83.2019.8.19.0200
Ementa: "Reconhecido o direito de preferência dos sócios em processo de execução de cotas, sendo imprescindível a comunicação prévia para o exercício deste direito, sob pena de nulidade da adjudicação."
Resumo do Julgado: O TJRJ reforçou a necessidade de notificação prévia aos sócios, salientando que o direito de preferência é um direito essencial nas sociedades limitadas, cuja violação impede a adjudicação válida das cotas.
5. Considerações Finais
O direito de preferência dos sócios em processos de execução de cotas é um tema que exige a conciliação entre o direito do credor à satisfação de seu crédito e o direito dos sócios à preservação da composição societária. A legislação brasileira, especialmente o Código Civil, garante aos sócios o direito de preferência, enquanto o Código de Processo Civil estabelece os parâmetros para a adjudicação de cotas.
A doutrina e a jurisprudência têm destacado a importância de respeitar o direito de preferência antes que qualquer adjudicação seja concretizada, a fim de garantir a estabilidade e continuidade da sociedade. Os tribunais têm reiterado que, sem a comunicação prévia aos sócios e a possibilidade de exercício do direito de preferência, a adjudicação pode ser anulada.
Assim, a adjudicação de cotas em processos de execução deve ser conduzida com cautela, respeitando tanto os direitos dos credores quanto os dos sócios, a fim de evitar conflitos e garantir a harmonia nas relações societárias.
Referências Bibliográficas
- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Sociedades. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
- CAMPINHO, Sérgio. Sociedades por Quotas. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2019.
- WALD, Arnoldo. Direito Empresarial. 22ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
- OLIVEIRA, Carlos E. Execução e Adjudicação de Cotas Societárias. 4ª ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018.
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